A História da Escovinha


A História da Escovinha

Há muito tempo eu conheci a Europa. Visitei acho que seria o verbo mais correto. Como conhecer um continente, tantos países em trinta dias?
A França era o que eu queria mais conhecer. Depois que estive em Paris comecei a me sentir mais importante, mais chique e elegante. Foi uma sensação muito boa. Só que passou, passou mais rápido do que eu imaginava. Em pouco tempo não tinha nenhuma importância ter conhecido o Velho Mundo nem eu me sentia melhor do que ninguém por isso.
Se a ficha caiu assim, de um dia para o outro? Não, nem sabia nada sobre isto concretamente até começar a escrever este texto. E eu comecei a escrever por causa de uma escovinha que eu comprei na França, lá em La Rochelle, a primeira cidade que fiquei. Era uma escovinha azul, de usar para limpar unhas, com a forma de uma baleia no dorso. Eu dei de presente a minha filha, que na época tinha três anos.
Ela nunca ligou muito para a escovinha azul. Eu que tinha o maior cuidado com ela. A gente morava em Angra dos Reis nesta época. Depois a gente se mudou para o Rio de Janeiro, em Santa Teresa. E no ano passado a gente veio para Luanda, Angola. A escovinha veio junto. Eu trouxe a escovinha azul.
Minha filha, agora com treze anos, nunca deu a mínima para a escovinha. E eu? Eu virei a guardiã da escovinha azul com forma de baleia em cima. A usei muito pouco durante todos estes anos. Fiz com que ela permanecesse no banheiro, ou na pia ou na banheira. E ali, aquela pequena baleia azul se molhou com várias águas, trabalhou pouco e um dia, eu a joguei no lixo. Assim, simplesmente.
Naquele exato momento eu tive a certeza que não precisava mais dela. Que não queria que ela ficasse mais ali, sem utilidade e sem nenhum sentimento. Sem nenhum propósito. Eu percebi naquela hora que eu a mantinha como uma testemunha viva da minha viagem importante a França. A única viagem que fiz aquele país. Como se fosse uma promessa ou como se ela quisesse me dizer que eu poderia voltar lá e comprar mais umas trinta escovinhas azuis de formas diferentes.
Não preciso mais da escovinha. Não preciso mais ir a Paris ou a qualquer lugar do mundo. Eu vou a qualquer lugar, na hora que puder ou quiser. Agora, neste instante minha única vontade é deixar registrado que eu comprei uma linda escovinha de limpar unhas azuis que tinha o formato de uma baleia e que ela, depois de muito se muda, acabou no lixo.

Hoje é o primeiro dia de diário no blogue. Tenho visto tantas coisas nesta Angola que tem momentos que me faltam as palavras.

Sempre achei que era boa em escrever. Agora estou na época de sentir. Aqui, decididamente… “a anatomia ficou louca…”

Para começar, um pequeno passo, um salto, um coxito de tempo e em breve teremos muitas letras.

Viver é uma aventura, em Angola é um desafio!

PESSOAS INTERESSANTES TEM FALHAS

Adorei!
Tenho me sentindo muito assim, cheia de falhas. Uma sensação sem
culpas, nem remorsos... Vergonha, passando longe.
De concreto, os pontos, as dificuldades de se locomover, a
necessidade de ser humilde e de pedir ajuda.
Sei que terei uma porção de desculpas prontas, muito sinceras.
Assim que estiver legal, vou abraçar e beijar todo mundo de novo.
E continuar fazendo abalos...
Bjs de um corpo se recuperando de uma tsunami e de uma alma navegando
em mar de almirante.
Flavia
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PESSOAS INTERESSANTES TEM FALHAS

Martha Medeiros


Uma das coisas que fascinam na cidade de San Francisco é ela estar
localizada sobre a falha de San Andreas, que provoca pequenos abalos
sísmicos de vez em quando e grandes terremotos de tempos em tempos.
Você está muito faceiro caminhando pela cidade, e de uma hora para
outra pode perder o chão, ver tudo sair do lugar, ficar
tontinho,tontinho.

É pouco provável que vá acontecer justo quando você estiver lá, mas
existe a possibilidade, e isso amedronta, mas, ao mesmo tempo
excita,vai dizer que não?

Assim também são as pessoas interessantes: TÊM FALHAS.

Pessoas perfeitas são como Viena, uma cidade linda, limpa, onde tudo
funciona e você quase morre de tédio.

Pessoas, como cidades, não precisam ser excessivamente bonitas.
É fundamental que tenham sinais de expressão no rosto, um nariz com
personalidade, um vinco na testa que as caracterize.

Pessoas, como cidades, precisam ser limpas, mas, não ao ponto de não
possuírem máculas.
É preciso suar na hora do cansaço, é preciso ter um cheiro próprio,
uma camiseta velha para dormir,um jeans quase transparente de tanto
que foi usado, um batom que escapou dos lábios depois de um beijo,um
rímel que borrou um pouquinho quando você chorou.

Pessoas, como cidades, têm que funcionar, mas não podem ser previsíveis.

DE VEZ EM QUANDO, sem abusar muito da licença, devem ser INSENSATAS,
ligeiramente PASSIONAIS, demonstrar um CERTO DESATINO, ir contra
alguns prognósticos, COMETER ERROS de julgamento e pedir desculpas
depois, PEDIR DESCULPAS SEMPRE, para poder ter crédito e errar outra
vez.

Pessoas, como cidades, devem dar vontade de visitar, devem satisfazer
nossa necessidade de viver momentos sublimes, devem ser calorosas, ser
generosas e abrir suas portas, devem nos fazer querer voltar, porém
não devemnos deixar 100% seguros, nunca.

Uma pequena dose de apreensão e cuidado devem provocar.

Nunca deve-se deixar os outros esquecerem que pessoas, assim como
cidades, têm RACHADURAS INTERNAS,portanto podem surpreender.

Falhas. Agradeça as suas, que é o que HUMANIZA você, e nos FASCINA.

Eu Crio

Eu crio


Crio em função da saudade,
na adversidade e no desafio.
Crio na verdade, por pura necessidade
de transbordar o que sinto.
Crio porque está quente
ou porque sinto frio.
Crio porque sinto fome,
náusea, ansia ou desatino.
É a fertilidade do meu ventre,
É o fruto do meu cio.

Morena

Começando do Início


Teria mesmo que ter um começo,
tanta energia não se desfaz assim.